terça-feira, novembro 13, 2012

A Crise

Os acontecimentos mais marcantes da história colectiva da humanidade têm a particularidade de serem contados várias vezes, consoante o tempo nos afasta deles. Esta crise económica que desabou sobre a Europa vai fazer parte dessa lista e estou convencido que quando a investigação histórica se dedicar a fundo ao seu estudo iremos perceber que o Mundo Ocidental, faliu em Outubro de 2007.

Ao contrário do que parece agora, os registos irão mostrar que o risco sistémico que levou os Estados a salvar os bancos, não foi evitado, e a dimensão do colapso do sistema foi muito maior do que hoje sabemos.
Todo o sistema financeiro colapsou, ou seja, todos os maiores bancos dos EUA e não apenas o Lehman Brothers, faliram de facto e só a intervenção da Reserva Federal, cobrindo as perdas com notas acabadas de imprimir, evitou a bancarrota generalizada e a paragem imediata da economia do país. Passados 5 anos dos acontecimentos, os EUA continuam a imprimir dinheiro, o que permitirá no futuro contabilizar com algum rigor a dimensão gigantesca do prejuízo que a banca libertina criou. 
No Reino Unido aconteceu sensivelmente o mesmo, mas agravado pelos activos envenenados que a banca americana injectou no mercado em doses massivas. A solução adoptada foi a mesma, imprimir libras e negociar com os chineses e árabes a compra de dívida soberana.
Na Europa, a diferença que agora penaliza os países mais débeis, foi que Bruxelas e Berlim optaram por imprimir a mínima quantidade de dinheiro possível, recorrendo sempre que possível a activos próprios (quer dos Estados quer dos bancos) para cobrir os prejuízos.
A UE decidiu que o sistema financeiro que irresponsavelmente criou este tsunami, teria que participar activamente na recuperação e assim surgiu o braço de ferro, entre as duas forças. Uma das medidas originais da UE contra os bancos (ao contrário da opinião corrente), foi cobrar um juro pelo dinheiro que o BCE empresta aos bancos, que contrasta com a falta de qualquer pagamento por esse dinheiro, praticada pelos anglosaxónicos.
De entre os vários contra-ataques que os bancos lançaram, para tentar alterar a orientação da UE, surgiu o aperto às operações de emissão de dívida dos países mais frágeis. Nessa altura as notações de risco eram alteradas em alta, numa frequência semanal, pelas várias agências, as taxas cobradas nas emissões atingiram valores irracionais até levarem 3 países ao tapete, obrigando-os a pedir ajuda internacional. 
No meio disto tudo falou-se em reformar as regras de funcionamento do sistema financeiro, só que o poder que Wall Street e a City mantêm sobre os respectivos Estados, e que os obrigou imediatamente a lançar a boia de salvação, vai também fazer com que tudo fique exactamente como era antes de 2007.

O que irá acontecer daqui para a frente?
A menos que a China e os países Árabes, modifiquem o seu comportamento e façam aos EUA e ao RU o que os bancos fizeram à UE, a tempestade deverá passar quando as perdas forem completamente repostas com a massa monetária excedentária que foi criada. Nessa altura, poderão os 2 Estados começar a impôr medidas que retirem dinheiro de circulação, protegendo em última análise os detentores da dívida soberana. Creio que deve ser este o futuro para os  EUA e RU.
E para a Europa?
Aqui, o cenário não é tão claro. 
A pressão sobre a Espanha e a Itália, poderá diminuir, se entretanto o braço de ferro perder força. Se as perdas bancárias começarem a ser geríveis pelas administrações e pelos accionistas. É provável que isso venha a acontecer dado que em 5 anos já muito do que ruiu terá sido reconstruído. Nessa altura começarão a surgir notações mais simpáticas, levando as taxas para níveis próximos dos iniciais. Salvam-se do Bailout os países que pelo seu peso arrastariam a União monetária e a própria UE para a desintegração. Este cenário benigno também tem ligações profundas com a atitude da China e dos países Árabes, porque um ataque destes à dívida dos EUA e RU, arrastaria tudo outra vez para o olho do furacão e eventualmente ditaria o fim do Ocidente como potencia económica. Dadas as dependências comerciais que existem entre os 4 blocos, dificilmente este confronto verá a luz do dia, pelo menos no horizonte de um par de décadas.
Relativamente aos países resgatados, assim que a Espanha e a Itália, vejam outlook positivo nos seus ratings, fica aberta a porta para aqueles reentrarem no mercado da dívida e aí, a bola passa a estar de novo do lado dos políticos nacionais. Antes porém vai ter de acontecer uma coisa: os 3 países vão ter de refinanciar a dívida emitida antes do bailout, através de um novo resgate cedido pela troika com juros ainda mais baixos (1 a 2 %) e por um período mais longo. A folga que este novo empréstimo provocará no serviço da dívida, deverá ser utilizado pelos países para promover crescimento do PIB. Nessa altura os 3 países irão debater-se sobre o eterno dilema: Voltaremos ao mundo da fantasia ou seremos pela primeira vez governados por gente competente e responsável que saberá tornar mais seguro e sustentável o futuro destes países? 
O problema principal nestes países é o tempo que ainda demorará a "tapar o buraco de Wall Street". Demasiado tempo pode ser mau ou pode ser bom. Depende quase da fé. Há quem pense que só destruindo tudo se abre lugar à verdadeira regeneração das sociedades. E aqui destruir tudo significa, o tipo de organização administrativa e social que o Estado fornece aos seus cidadãos. Por outro lado, a grande maioria pensa que não se deve destruir nada e por isso quanto mais rápido encher o buraco mais depressa voltaremos ao estado pré-crise.
Conhecendo minimamente a sociedade portuguesa, e sabendo pela experiência de viver aqui, que não existe vontade social de mudar nada neste país, dificilmente consigo ver vantagens na hipótese da crise estar perto de terminar. É triste admitir isto mas, não deve haver ninguém que acredite num cenário em que mesmo com financiamento fácil nos mercados, Portugal consiga, pela primeira vez na sua história, planificar o seu crescimento de forma sustentável. 
É muito mais fácil acreditar que retomaremos os velhos ciclos de populismo eleitoral, envolvendo a construção de TGV, de aeroportos, de mais estradas, túneis e rotundas e de obras de outras coisas públicas faraónicas, com que nos temos vindo a arruinar. Ainda ontem ficamos a saber que no Gabão cederam um mina de ferro aos chineses, por troca da construção de um estádio de futebol... 

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