quarta-feira, fevereiro 27, 2013

A ingovernabilidade, ou o regresso do Bicho Papão da sopa.

As eleições italianas deram o pretexto para os nossos comentadores mediáticos sacarem de novo dos seus ipad e despejarem outra vez sobre o povo português a fábula da ingovernabilidade que poderia surgir num hipotético e "assustador cenário de eleições antecipadas".
Ao assistir ontem a tais ideias "assustadoras" saquei do meu android de 100 euros e tratei de escrever o meu ponto de vista, que vale como é hábito (2 cêntimos de euro).
Pois então cá vai.
É minha convicção que no actual cenário político-partidário, o que Portugal devia fazer era um processo eleitoral contínuo, digamos de base semanal, no qual os eleitores seriam chamados a votar todos os domingos, até se atingir uma conjugação de votos que permitisse apenas uma hipótese de formar governo. Essa hipótese era uma coligação pós-eleitoral entre o PS, PSD e CDS.
- O quê???
- Mas isso é o Bicho Papão que ontem ouvimos em todos os canais de tv!
- Pois é.
Eu vou tentar explicar.
O país vive há décadas a adiar decisões. Todos os partidos do Arco, sabem quais elas são. Todos partilham da convicção de que são necessárias, mas nenhum as quer tomar.
A alternância entre as rosas e as laranjas, pontuadas pelo azul do PP, criam um impasse que nem as maiorias absolutas parecem ser capazes de quebrar. A popularidade tem uma atracção fatal e como acima de tudo o objectivo de cada partido é manter-se o máximo de tempo possível no poleiro de cima deste galinheiro adiado, recorrem a todo o tipo de estratégias para transmitir aos eleitores que eles até queriam melhorar o país, torná-lo mais justo, mais forte, mais independente, mas os outros (os que estão no poleiro de baixo a querer saltar para o de cima) não deixam, ou então é a constituição que não deixa, ou então é um "de" ou um "da" que não deixa, ou então é o tribunal constitucional que não deixa.
Não vou escamotear que as oligarquias que mandam no país não têm uma enorme responsabilidade neste impasse, mas para já o tema é o Bicho Papão.
Colocar o partido do Arco, todo no governo, iria retirar-lhe de uma vez por todas as desculpas para ir fugindo para a frente sem aliviar a carga que vamos arrastando às costas.
É ainda mais curioso que se recorram a países como a Itália e a Grécia como espantalhos para assustar os cidadãos, porque o espectro partidário destes dois países não tem a mínima comparação com Portugal.
Nos dois países existiu (nas últimas eleições) um partido novo a concorrer, e com uma dose grande de voto de protesto, a Syriza e o Movimento 5 estrelas. Em Itália existia ainda a grande incógnita ideológica do Bunga Bunga que acrescenta incerteza quanto ao rumo que o país poderá tomar no dia a seguir às eleições.
Em Portugal, todos sabemos que seja qual for o resultado das eleições, o rumo é exactamente o mesmo. Simplesmente nunca se chega a alterar nada de significativo por causa do tal apego à popularidade, às oligarquias e ao medo de cair do poleiro, no próximo acto de escolha.
Senão concordam digam-me qual foi a última medida relevante tomada pelo grupo laranja, que vos pareça totalmente impossível de ser tomada pelo grupo rosa. Vão ter imensa dificuldade em recordar uma, mas é sem dúvida um exercício que faz muito bem ao cérebro e previne as doenças degenerativas. 
As diferenças entre os grupos do Arco, manifestam-se quando um está no poder e defende a medida A, e o outro grupo que está na oposição adopta de imediato a medida B. Mas essas diferenças são "fabricadas" no momento, para mostrar ao país que os dois grupos defendem ideologias diferentes. Eu tenho a perfeita noção que se inverteremos a ordem dos poleiros o grupo que defendia B na oposição passava a defender A e vice-versa. 
Há já sei, "já tivemos o bloco central uma vez e foi um desastre igual". Pois mas os tempos são outros. Nos tempos de agora há um valor político forte que não existia nessa altura, e que todos os órgãos de soberania defendem - a estabilidade governativa. Os partidos, o Presidente da Republica e os comentadores mediáticos enchem a boca com ela, todos os dias. Como iriam eles descalçar essa bota?

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