quinta-feira, abril 08, 2010

Compartimentação dos Rios

A qualidade da água degrada-se com a construção de albufeiras (passagem de massa lótica para lêntica):


EFEITOS A MONTANTE

• Aumento da acidez (por via da degradação de matéria orgânica submersa).

• Aumento da temperatura média da água.

• Dependendo da profundidade e da turbidez que se atinge na albufeira, pode haver formação de um fundo anóxico e estéril no que diz respeito a vida bentónica (macro-inventrebrados e macrófitas), que são elementos fundamentais para estruturar toda a cadeia alimentar.

• Cria as condições base para que se inicie o processo de eutrofização da massa de água, exponenciada com os fenómenos de bloom de fitoplancton, por vezes acompanhado pela toxicidade de algumas estirpes de cianobactérias.

• Erosão das margens inundadas, cujos solos tendem a desagregar-se e depositar no fundo da albufeira, contribuindo ainda mais para o aumento da matérias orgânica em degradação anaeróbia e para a disponibilização de nutrientes que aumentam o potencial de eutrofização da massa de água.

• Destruição de potenciais locais de desova da ictiofauna migradora, que existam a montante da barreira.

• Alteração do habitat ribeirinho com perda de biodiversidade.





EFEITOS A JUSANTE

• A água turbinada, que provém do fundo da albufeira, encontra-se degradada (baixo nível de oxigénio, baixo pH) – há relatos em algumas barragens, da ocorrência de corrosão ácida nos elementos metálicos do sistema propulsor, o que é revelador deste último impacte. Este facto, desconhecido por muita gente, coloca em cheque a opinião consensual de que a hidroelectricidade não é um uso que degrade da qualidade da água.

• Existe o chamado “efeito regulador” dos caudais que a armazenagem provoca. Este efeito é mais pronunciado nas albufeiras de armazenamento, por contraste com as chamadas “fio-de-água”, no entanto em tempo de estiagem pouca ou nenhuma diferença se encontra entres os dois tipos de barragem, existindo isso sim, situações de caudal zero a jusante. A questão dos caudais ecológicos vem-se arrastando sem resolução aparente pelo que é um factor cada vez mais fora da equação.

• O represamento da água significa também a interrupção do ciclo do chamado caudal sólido e mais importante que isso significa que partes significativas do curso de água deixam de produzir esse mesmo caudal sólido porque deixa de existir a erosão física. Para além da redução da erosão, a barragem vai interromper o transporte de areia, em última análise até ao litoral, agravando ainda mais os problemas associados à erosão costeira.

• A diminuição de caudais a jusante, pode interferir de forma significativa, com outros usos, (balnear, rega).



Estes efeitos negativos e graves, exigem que se estabeleçam e regulamentem muito bem as condições em que se poderão considerar viáveis empreendimentos hidráulicos nos rios do Norte de Portugal. Estas condições, de natureza ambiental, uma vez estabelecidas e validadas pela ARH, têm de ser transcritas posteriormente nos novos PBH, para ganhar ainda mais pesam na gestão dos RH.



Neste sentido e na minha opinião só devem ser considerados empreendimentos que preencham estas condições:

1. Existindo espécies migradoras, a barragem nunca poderá ter como localização, a foz de um Rio de 1ª ordem ou de 2ª ordem. Ao permitir isto, estamos a alterar de forma definitiva o acesso a todos os tributários dessa bacia ou sub-bacia, cortando partes substanciais das nossas bacias hidrográficas às rotas de migração dessas espécies. Veja-se por exemplo o que aconteceu ao sável no rio Douro quando comparada com a sua ainda existência no Cavado. São rios com um factor de poluição semelhante mas em que num deles foi criada uma espécie de cascata de barragens no rio principal (o Douro), e cuja primeira, (Crestuma) corta logo a escassas dezenas de km da foz o acesso de todos os migradores, aos afluentes mais limpos que existem a montante, condenando todas as espécies que deles necessitavam à extinção local.

2. Só deverão ser estudados como locais de potencial hidroeléctrico, os que fiquem localizados no primeiro terço de cada Bacia Hidrográfica.

3. Só poderão ser construídos aproveitamentos hidroeléctricos em bacias hidrográficas cujas zonas costeiras não apresentem já graves problemas de erosão evitando desta forma o agravamento desses problemas. Nas bacias hidrográficas onde tal problema não ocorra, tem de ser muito bem calculado o volume de caudal sólido que ficará retido na albufeira e estudado com rigor o impacte que essa retenção irá provocar na respectiva zona costeira.

4. Em função das condições anteriores, a ARH só devia permitir a criação de novas barragens na Bacia do Douro se for desmantelada a Barragem de Crestuma-Lever. Esta operação, simples de executar devido ao método de construção desta barragem, permitirá a renaturalização de 42 Km do rio Douro e acima de tudo reabrirá o corredor existente entre o oceano e rios tão importantes para a bacia hidrográfica como são o Paiva, o Inha, o Arda, e em menor grau o Tâmega que possui ele próprio na sua foz uma barragem. Repare-se que desde que a barragem foi construída, o rio Sousa, passou a ser o único afluente da bacia hidrográfica do Douro com acesso directo ao mar. Neste caso, devido à fraca qualidade da água deste rio, pouco ou nada serviu este acesso em termos de manutenção dos habitats. Abrindo o acesso aos rios menos poluídos da margem esquerda, poderemos de certa forma “ressuscitar” os ecossistemas aquáticos perdidos. À partida esta operação (totalmente inovadora) terá como principais obstáculos a refrigeração da Central Termoeléctrica da Tapada do Outeiro e a ETA da Águas do Douro e Paiva, S.A. e afectar em parte a navegabilidade do rio. Eventualmente, estes problemas poderão inviabilizar qualquer alteração da barragem, mas assim sendo, também ganharemos um argumento de peso para não permitir que nenhum outro empreendimento hidroeléctrico que não cumpra as 3 primeiras condições) se instale nesta bacia. Em alternativa ao desmantelamento, poderá ser estudada a possibilidade de durante os meses mais activos em termos de migrações, as comportas da barragem serem total ou parcialmente abertas.

5. A rendibilidade dos capitais investidos em projectos hidroeléctricos, dá às empresas concessionárias cerca de 15% de lucro anual. Ou seja, por cada euro investido na sua construção a empresa recebe todos os anos 15 cêntimos. Fazendo as contas, verificamos que em 6,6 anos os empreendimentos ficam pagos e os restantes anos de vida das barragens (que geralmente abrangem várias décadas) revertem directamente para os concessionários. Creio que a ARH tem de exigir no âmbito do Regime Económico e Financeiro da nova Lei da Água, que pelo menos, 7,5% desse lucro passe a reverter directamente para o orçamento da ARH. Talvez nessas novas condições, o futuro energético do país deixe de estar ciclicamente sujeito a tecnologias dos anos 50-70 do século passado e se olhe com mais objectividade para o futuro.



É também minha convicção que espalhados um pouco por toda a rede hidrográfica do Norte, existe um excesso de obra hidráulica que urge combater. Parte destas obras já perderam as funções para que foram erigidas, outras não se encontram licenciadas, outras são totalmente ilegais e outras ainda deverão ser bem ponderadas quando se chegar ao tempo de renovar o respectivo licenciamento. Estas estruturas que se podem considerar “lixo hidráulico” contribuem apenas para a artificialização dos cursos de água e a respectiva degradação da água e dos ecossistemas a que ela dá suporte.

A ARH tem de ser identificada na sua actividade como o agente que renaturaliza os rios seja por via da despoluição seja através do combate à sistemática segmentação a que eles têm vindo a ser sujeitos.

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