quinta-feira, outubro 12, 2006

como se negoceia o país

Imaginem uma empresa. Uma empresa multinacional do ramo das grandes superficies comerciais. Imaginem que essa empresa quer ampliar as suas já hiper-dimensões mas que por azar a ampliação pretendida encontra pelo caminho uma chatice chamada RAN (Reserva Agrícola Nacional).
Imaginem a seguir, uma Câmara Municipal (CM). Uma CM do Norte do País. Imaginem que a essa CM interessa como é até legitimo, criar todas as condições para o desenvolvimento sócio-económico do concelho (sempre dentro da legalidade, acrescento eu). Imaginem ainda que essa CM tem ainda por resolver (apesar da chuva de fundos comunitários de que dispôs para o efeito) o problema sempre "chato" do saneamento básico de uma franja muito consideravel do concelho e que por um feliz acaso a freguesia onde a empresa pretende ampliar é precisamente uma dessas zonas carenciadas.

Estas são as bases e agora há que negociar favores e interesses.
Eis o acordo a que chegaram:
A CM desbloqueia a chatice da RAN, movendo as necessárias influências.
A empresa constroi, sob a frágil capa de um Estudo de Impacte Ambiental mal amanhado, uma conduta subterrânea de 1,5m de diâmetro ao longo de 2,0 Km, seguida de um exutor submarino de 300m de comprimento.
A esta conduta atribuem-se como funções "oficiais", o transporte de água da chuva que por efeito da impermeabilização do solo, fruto da ampliação, não poderá ser conduzida ao Ribeiro que passa na proximidade, devido a este não ter capacidade para escoar a água em excesso (estas últimas 10 palavras são dos Engenheiros da própria CM).
Este Ribeiro, está tão mal tratado, e tão degradado que as análises à sua água efectuadas no âmbito do EIA, revelaram níveis de contaminação superiores às normas de descarga de águas residuais. Traduzindo, se o rio fosse um esgoto de uma empresa, pagava multa por ser tão mau...

Algo no entanto não correu tão bem como as entidades envolvidas esperavam, e foi possivel ler no EIA inicial, que a consultora que o elaborou, considerava dois cenários possíveis para o escoamento pluvial:
a) intervencionar o Ribeiro, re-naturalizando-o nos troços em que ele foi obstruído por construções nas suas margens e requalificá-lo sob o ponto de vista ambiental tirando inclusivé partido do novo caudal para melhorar as suas condições de suporte à vida.
b) construir a tal conduta que levará as águas em excesso até à praia mais próxima.

Naturalmente que a CM tudo fez para afundar a hipotese a) e louvar a solução b).

Eis as questões que tudo isto levanta:

1. Quem e com que intenções é que se constroi uma conduta com 1,5m de diâmetro e de 2,0 Km de extensão e mais um exutor submarino de 300m de comprimento só para descarregar no mar águas pluviais? águas das chuvas? águas tecnicamente limpas?

2. Como a resposta à pergunta anterior parece óbvia, e portanto não devem ser só águas da chuva que a conduta escoará, surge uma nova questão pertinente. A quem irá a autarquia pedir responsabilidades, pela má qualidade das águas balneares do seu concelho, quando é ela própria que a desqualifica, cada vez mais?

3. Porque é que isto não foi esclarecido durante as longas fases do processo de avaliação de impacte ambiental?

4. Porque é que sempre que aparece uma oportunidade de valorizar algo que está degradado, surgem sempre obstáculos inultrapassáveis que viabilizam soluções alternativas, mais de feição a obras de engenharia pesada, com custos económicos mais gravosos e sempre de pior valor ambiental? Será falta de know-how? Será o lobby da construção civil a funcionar?


Na minha Lusitânia, o senhor presidente desta autarquia já há muito, muito tempo teria sido chamado a assumir as suas responsabilidades pelo actual estado da infraestrutura de saneamento básico do concelho. Já há muito tinha sido chamado a esclarecer porque é que as suas zonas costeiras e os seus rios e ribeiros têm tão má qualidade. E apuradas as reais intenções de mais esta situação pouco clara, teria sobre si a dura tarefa de redigir a sua cartinha de demissão.
Relativamente à empresa, pouco há a fazer porque apenas tentou negociar a sua prosperidade defendendo os seus interesses. Apenas poderia ser equacionada a inviabilização da ampliação para servir de exemplo a futuros autarcas destemidos.

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