quarta-feira, fevereiro 28, 2007

O crime não pode compensar

A sociedade portuguesa tem usado sistematicamente a degradação e a desqualificação dos recursos hídricos como pretexto para viabilizar todos os projectos que decida executar. O primeiro passo é poluir os cursos de água, destruir as margens e os ecossistemas associados, depois artificializá-lo o mais possível construindo muros nas margens, entubamentos e desvios do leito. Por fim quando pouco mais resta ao Ribeiro do que alguns troços a céu aberto e altamente contaminados (como é o presente caso), evoca-se a saúde pública para colocar a lápide final.

“Aqui correu em tempos um Ribeiro, depois uma linha de drenagem topográfica e finalmente um esgoto a céu aberto, mas nós graças a este magnifico empreendimento conseguimos finalmente fazer desaparecer esse empecilho à modernidade e declaramos que ele deixou de existir.” De forma sucinta é este o argumento utilizado, uma vez mais, neste projecto de Centro Comercial.

Não deixa de ser irónico como acabam por ser os sucessivos atentados a que são sujeitos os cursos de água portugueses, a razão final para justificar seu destino final. São o início e o fim do ciclo de destruição a que assistimos. O que custa mais é o primeiro passo. Depois dele, como já se desvalorizou o seu carácter natural, os posteriores atentados já são encarados com mais brandura, e quando finalmente ele chega a um estado “comatoso”, surge um empreendimento qualquer que se propõe “generosamente” a praticar a “eutanásia” final.

Toda esta justificação é meramente filosófica, porque a maneira com os projectos são apresentados e justificados, levam a discussão precisamente para esse campo. Não podemos punir o último infractor quando deixamos incólume o primeiro e o segundo e o terceiro. E se virmos bem, se calhar o actual Ribeiro da Longra, tal com o da Nassica, e outros, já nem são recuperáveis, portanto até nem se perde grande valor. Só que o problema é precisamente este tipo de raciocínio. É com este tipo de conclusão circular, que a sociedade se pretende auto-desculpar.

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